Investigação sem fronteiras: perseverança e paixão. Entrevista a Ana Antunes

Ana Antunes, fala-nos sobre a carreira de investigação e partilha informação crucial para quem quer dedicar-se a esta profissão. A Ana é doutorada em biologia com especialidade em microbiologia, investigadora em Microbiologia e Vice-Presidente da AGRAFr. Partilha com o EPM a sua visão de “ser investigador”, os obstáculos e a experiência além fronteiras.

CS: Como surgiu a hipótese de trabalhar “além fronteiras” e como tem sido essa experiência?

AA: A minha primeira experiência no estrangeiro surgiu quando estava a frequentar a universidade e procurava um estágio profissional para terminar a minha licenciatura. Na faculdade existia um gabinete de apoio para fazer parte do percurso universitário na Europa através do programa ERASMUS. Foi através deste programa que tive hipótese de me inscrever na Universidade Paris 7 Diderot e realizar um estágio de 9 meses num dos melhores institutos em Microbiologia, o Institut Pasteur em Paris. Para mim, foi uma experiência fantástica  a nível profissional e pessoal. Estava a trabalhar num outro país, aprender uma nova língua, e a conhecer pessoas vindas de diferentes cantos do mundo. Gostei tanto que tornei a voltar para fazer o doutoramento. De seguida fui para Itália, trabalhar numa industria farmacêutica durante dois anos, o que me permitiu conhecer outro ambiente de trabalho, fazer investigação numa empresa e descobrir a cultura italiana. Neste momento estou de volta a França, onde desenvolvo atualmente o meu trabalho.  A Ciência é universal, o que nos traz a possibilidade de poder realizá-la em qualquer sitio, dando também a possibilidade de conhecer outras pessoas e novas culturas durante a progressão na carreira profissional.  A mobilidade torna-se natural, se assim o quisermos

CS: A imagem que um Investigador é “alguém que vive apenas para o seu trabalho completamente desconectado da realidade” é verdadeira?

AA: O Investigador é acima de tudo uma pessoa, que tem família, amigos com uma curiosidade insaciável. Sendo o conhecimento uma matéria tão vasta, torna-se necessário que cada um se especialize numa determinada área. Um investigador precisa de estar constantemente a par das descobertas dos seus pares para poder desenvolver corretamente o seu trabalho, através, por exemplo, da participação em conferências. Sendo por isso muito importante no trabalho de um investigador a noção da realidade ao seu redor e o contacto com a mesma. Por outro lado, o trabalho em equipa é fundamental em ciência e isso inclui um contacto estreito com os seus colegas, como é o caso do estabelecimento de colaborações entre diferentes grupos de investigação por vezes de nacionalidades muito diferentes.

Fazer investigação não se resume exclusivamente a trabalho de bancada. Existe toda uma reflexão conjunta com outros membros da equipa sobre a problemática a estudar, de acordo com as necessidades atuais na sociedade, seguido da pesquisa sobre o conhecimento já existente (o que nós dizemos na gíria  “fazer a bibliografia”). De seguida torna-se necessário adquirir os recursos necessários para desenvolver determinado projeto, sejam estes tecnologias, pessoas, ou produtos (geralmente através da candidatura a financiamentos públicos e privados – como o programa Europeu Horizonte 2020, ou a Fundação “Bill & Melinda Gates”). Posteriormente desenvolve-se uma estratégia, com a aplicação de uma metodologia (“trabalho de bancada”). Isto permite obter resultados que devem ser interpretados e contextualizados em relação à problemática imposta. Finalmente, faz-se a redação desses resultados para serem avaliados pelos seus pares. Feito isto, as suas descobertas passam a ser do domínio publico, nomeadamente da comunidade científica, que poderão usar esse novo conhecimento.

CS: Quais os principais obstáculos que um investigador pode encontrar?

AA: Na busca de conhecimento os resultados não são imediatos, e nesse sentido um investigador tem de ter certas características como perseverança e humildade. O conhecimento advém da procura a uma resposta e, por vezes, a metodologia não é a mais adequada, ou não existe ainda a tecnologia, ou os métodos precisam de ser otimizados à questão que é colocada. O conhecimento e a experiência resultam das várias tentativas e erros. Estes são obstáculos inerentes à investigação. Por outro lado, podem também existir parâmetros exteriores influentes, como a aquisição de financiamento e a capacidade de convencer os decisores que o trabalho que se pretende desenvolver deve ser prioritário a nível de investimento. A investigação é uma das áreas que necessita de um investimento financeiro muito importante e cujos resultados não são necessariamente imediatos. Por exemplo, para desenvolver uma vacina poderão ser necessários entre 14 e 25 anos de estudos e custar entre 300-1000 milhões de dólares americanos.

CS: Atualmente e a nível internacional um investigador é um eterno post doc, com contratos renováveis cada ano ou cada 3 anos. Quais as alternativas ou tipos de trabalho para um investigador?

AA: Existem várias alternativas à posição de “post-doc” dependendo da direção que se quer seguir na progressão de carreira e de quantos anos de experiência possui. Existem carreiras alternativas ao “post-doc” no meio académico, privado ou, por exemplo, em organizações não governamentais (ONGs). Talvez o mais difícil, seja que à exceção do percurso académico que tem tendência a ser bastante “linear”, nas outras áreas não existe uma “fórmula” específica, existem várias formas e várias alternativas de carreiras.  Para além disso é necessário conhecer o sistema de cada país, pois existem certas carreiras especificas a certas estruturas de investigação. Por exemplo, a nível académico e em França, um “post-doc” pode candidatar-se a posições de Investigadores (“Chargé de recherche”) dentro de estruturas governamentais como CNRS ou INRA, mas se gostar também de ensinar poderá concorrer a posição de Maître de Conférence, ou candidatar-se como investigador principal a vagas específicas de universidades ou instituições de investigação. A nível privado existem varias possibilidades, sendo o melhor fazer uma pesquisa sobre as empresas onde gostaria de trabalhar, criar e desenvolver uma rede de contactos e enviar a sua candidatura. Existem muitas empresas que aceitam candidaturas espontâneas, para além das ofertas específicas que anunciam.  Existem também várias ONGs como associações ou fundações que angariam dinheiro para financiar áreas de investigação. Estas estruturas precisam de especialistas em ciência e em investigação para contribuir na gestão e financiamento de projetos científicos.

CS: Como 1a presidenta e impulsionadora da AGRAFr pode explicar-nos como surgiu a AGRAFr, um pouco da sua história e o que tem desenvolvido?

AA: Juntamente com outros amigos investigadores portugueses a trabalhar em França assistimos a uma conferência em dezembro de 2012 em Lisboa, durante as férias de Natal, organizado pelas associações PAPS (Portuguese American Post-graduate Society), PARSUK (Portuguese Association of Researchers and Students in the UK) e FIIP (Fórum Internacional dos Investigadores Portugueses).  Nessa altura ficamos a saber da existência de associações de portugueses graduados a desenvolverem atividades no seu pais de acolhimento.  Achámos este conceito de associação fantástico e tendo em conta o tamanho importante da comunidade portuguesa em França, considerámos ser importante de desenvolver algo semelhantes em França. Entrámos em contacto com alguns membros da PAPS e da PARSUK para perceber melhor como tinham criado as suas associações e em Janeiro de 2013 a AGRAFr –Association des Diplômés Portugais en France foi fundada em Paris. Esta associação independente e sem fins lucrativos visa representar e promover os interesses de todos os graduados portugueses e de origem portuguesa a residirem em França.

CS: Quais os principais objetivos da AGRAFr e a quem se destina?

AA: Os principais objetivos da associação consistem em: projetar a imagem de Portugal e dos portugueses em França; apoiar a integração dos membros na sociedade francesa; promover a interação e a partilha de experiências; promover a cooperação entre os membros e o meio académico, científico e empresarial francês e português. O público alvo da AGRAFr são portugueses ou lusodescentes graduados a residirem em França (membros titulares). No entanto, qualquer pessoa que se identifique com os valores da AGRAFr e que queira participar nas suas atividades pode ser membro da AGRAFr, mesmo não sendo português (membro associado) e estar a par dos eventos da associação. A adesão é gratuita e faz-se através do nosso website : www.agrafr.fr

CS: Association des Diplômés Portugais en France? Porque razão o nome desta associação em Frances?

AA: A AGRAFr foi criada por investigadores portugueses com o intuito de desenvolver uma plataforma de interação e dinamismo português no seu pais de acolhimento, a França. Assim sendo, a associação está registada em Paris, de acordo com as leis francesas. Torna-se importante para nós como associação não só de promover a identidade lusófona, mas também de interagir e partilhar com a sociedade francesa, onde vivemos. Nesse sentido, é fundamental manter uma ligação portuguesa-francesa, e sermos uma associação virada para a sociedade na qual vivemos, a sociedade francesa. Nessa perspetiva o nome da associação “de portugueses” é em francês, para indicar esta dualidade e caminho interativo entre portugueses e franceses.

CS: Hoje em dia existe uma proliferação de associações e as que pretendem manter-se ativas devem trazer “algo mais”. Quais as mais-valias da AGRAFr e em que se destaca?

AA: O objetivo principal da AGRAFr é de criar uma plataforma de interação e de cooperação entre graduados portugueses ou de origem portuguesa residentes em França. A AGRAFr acredita que a troca de conhecimento multidisciplinar, de diferentes experiências e ideias  e o estabelecimento de novas colaborações é crucial para o sucesso individual e com impacto na projeção de Portugal. As atividades organizadas pela AGRAFr facilitam a comunicação de pessoas em vários estádios de desenvolvimento profissional, que de outro modo dificilmente se encontrariam. Através da AGRAFr, os associados podem partilhar e expandir as suas capacidades profissionais, e assim prosseguir os seus percursos individuais, quer estes passem por Portugal, quer continuem fora do território nacional, nomeadamente em França. Outro aspeto importante é a rede de contactos internacionais a que os associados da AGRAFr têm acesso, devido à relação que a AGRAFr mantém com outras associações de graduados portugueses em outros países (EUA, Reino Unido, e Alemanha), e que também é enriquecida pelos contactos que os associados mantêm a nível individual.

Com o intuito de atingir estes objetivos a AGRAFr tem vindo a desenvolver atividades que promovem a interação entre os membros oriundos de áreas profissionais diversas e com experiências pessoais distintas, potencializando desta forma a troca de experiências e saberes. Para além disso, a AGRAFr tem promovido eventos onde convida profissionais de diferentes áreas académicas e empresariais (portugueses ou luso-descendentes) permitindo aos seus membros alargar a sua rede de conhecimentos e os seus contactos quer em França, quer em Portugal.

Para estar a par do que foi feito pela AGRAFr, o que está a decorrer e o que vai ser feito basta visitar o nosso website : www.agrafr.fr  secção eventos , ou então seguir-nos nas redes sociais como Facebook e LinkedIn.

CS: Por último, algum conselho para os futuros investigadores?

AA: Não existe uma fórmula de “sucesso” para fazer investigação, existem sim vários caminhos de “sucesso”. Torna-se necessário gostar daquilo que se faz e, o trabalho torna-se uma paixão. Informar-se antecipadamente das oportunidades e alternativas de acordo com os seus objetivos, conhecer pessoas que tenham um percurso mais avançado e identificar “mentores” que poderão ajudar no desenvolvimento da carreira como investigadores. Nada se faz sozinho, mas a iniciativa tem de vir de cada um de nós.

A Ana Antunes, com experiência em investigação deixa-nos aqui direções futuras importantes para quem deseja seguir a carreira de investigação.